segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A curiosa condição esquerdista, ou o erro do conservadorismo - II

por Victor Perez

Publicado originalmente em 17/01/2011 às 10:46

A esquerda brasileira conseguiu a proeza de transformar termos como "conservador" e "reacionário" em qualificativos pejorativos a priori, sem necessidade de maiores explicações.

Assim um esquerdista pode desqualificar um adversário ao designar sua posição como reacionária, ainda que esta seja simplesmente a definição de qualquer resistência ao reformismo radical que a esquerda defende.

Esses termos são sinônimos de anti-esquerdismo. Ser conservador ou reacionário consiste exatamente em objetar projetos de mudanças e reformas institucionais radicais credenciadas pela teórica moralidade superior da sociedade futura que essas reformas produzirão.

E essa é exatamente a natureza das propostas esquerdistas, a predisposição a privilegiar o conhecimento extraído da experiência futura hipotética à sabedoria real acumulada no passado. Que uma pessoa oriente sua própria vida dentro desse princípio, problema dela e de sua insanidade. Mas quando ela o aplica à sociedade como um todo e tenta obrigar todos a obedecer a sua visão, trata-se de um visionário progressista.

No mundo em geral, mas no Brasil principalmente, a noção de conservadorismo parece descrever uma atitude contrária a qualquer tipo de mudança, sendo os conservadores, portanto paladinos do status quo, embora essa seja uma premissa completamente despropositada.

Conservadores propõem mudanças, muitas vezes mais significativas que as mudanças dos progressistas, sobretudo em ambientes onde as instituições já estão profundamente corroídas pelo ativismo radical.

A diferença está no que inspira as propostas conservadoras. Ao contrário do socialista e sua credencial futurista imaginária, o conservador se inspira pelo conhecimento adquirido pela experiência real e autoridade do passado. A experiência conservadora é aquela que se produz dentro das margens de variação previstas pelas próprias instituições, ao longo do tempo. A maioria dessas experiências sendo pequenos fracassos não comprometedores a serem eliminados, mas uma pequena fração sendo pequenos sucessos a serem acumulados e compostos uns sobre os outros, permitindo o progresso real.

O conservador reconhece não compreender em detalhe como todas as instituições se entrelaçam criando a estrutura da sociedade. E que ele não precisa conhecer, para respeitá-los e assumir seu funcionamento. Ele admite a existência de uma complexidade cuja dimensão transcende a sua própria razão governando a evolução dos assuntos humanos e da moralidade, da qual ele pode obter apenas um conhecimento incompleto e imperfeito e a qual não se julga capaz de reconstruir, muito menos de criar algo novo melhor a partir do nada.

O conservadorismo sendo a atitude racional legítima, de uma razão destituída de egocentrismo megalomaníaco dos reformadores do mundo. Do reconhecimento de que no passado as pessoas não eram idiotas cegos a obviedade de uma visão futurista e que deve existir uma razão para que um plano revolucionário simplista não tenha sido posto em prática antes, ou porque não teria sucedido nas vezes em que se tentou aplicá-lo. O conservador olha para as instituições e se maravilha com o seu funcionamento ainda que este seja imperfeito. Ele não percebe instituições como superstições irracionais que persistiram graças à incompetência e ignorância das gerações passadas, mas como produtos da sofisticação e da razão daqueles que o precederam. O conservador se reconhece como mais um indivíduo membro de uma espécie humana racional como um todo e não como membro de uma casta privilegiada capaz de acessar uma visão do futuro para as massas ignóbeis. Mesmo quando é um grande homem, ainda se vê como indivíduo e entende a sua contribuição como aquela de um indivíduo visando acrescentar algo ao edifício já existente.

Em contraste, o esquerdista propõe demolir todo o edifício, provavelmente porque imagina que nunca antes na história do mundo alguém foi tão esplêndido quanto ele próprio.

Existe uma atitude entre conservadores "moderados" e centristas de acreditar que um equilíbrio dinâmico entre conservadores e progressistas é a fórmula ideal para o progresso de uma sociedade. Eu não sei se essa é a sua visão, mas com certeza não é a minha.

Na medida em que se discutam objetivos políticos de curto termo, reconhecer a realidade e a penetração do progessismo na sociedade de fato não é uma alternativa e admitir algumas concessões pode ser imperativo para sua estratégia de sobrevivência. Face à ameaça nazista, Churchill admitiu a aliança com Stalin e segundo ele próprio, se aliaria ao próprio satanás contra Hitler.

Mas não se deve perder de vista que a atitude progressista, em todas as suas formas, é uma doença moral, uma ameaça constante à civilização humana e um problema que no longo prazo não deve ser menosprezado ou ignorado.

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