quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Comentários sobre a educação pública no Brasil - parte 5

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 12/07/2007 às 17:44

No olho do furacão da catástrofe que se abateu sobre o sistema público de ensino brasileiro nas últimas décadas está o professor, tanto como indivíduo e profissional quanto como instituição.

O significado tradicional da instituição do professor pode ser ilustrado no seguinte relato da experiência de um casal de dekasseguis brasileiros, formados em curso superior no Brasil, que foram para o Japão trabalhar naqueles serviços operários básicos pelos quais os japoneses natos não se interessam mais.
Contam que os japoneses não expressavam nenhuma reação quando ele informava que era engenheiro, mas que todos se mostravam muito impressionados quando ela dizia que era professora, a partir do que passavam a tratá-la com distinção especial.

Esta distinção especial é antiga, natural e esperada na imagem do professor.
Exceto no Brasil de hoje.
De hoje, pois em outras épocas a profissão recebia neste país a mesma reverência prestada pelos nipônicos, apenas menos cerimonial do que é típico no oriente.

Como e porque nossos professores perderam a aura de respeitabilidade que lhes era inerente é uma repetição em nível pessoal e profissional do mesmo processo de perda de valor sofrido pela educação brasileira.
Isto se constata pela freqüência alarmante com que se repete a absurda frase "quem faz a escola é o aluno". Ora, se quem faz a escola é o aluno, o professor então não serve para nada, quando muito é um coadjuvante menor no teatro da aprendizagem.

Naqueles tempos no Brasil, a imagem do professor era a do intelectual, não que todos cumprissem rigorosamente os requisitos da definição, mas por ser este o modelo que melhor retratava o ideal da profissão.
Se a imagem de intelectual dava forma ao educador, seu conteúdo era de estofo ainda mais respeitável, portador que era de uma autoridade moral e social tacitamente delegada como extensão da autoridade paterna.

A escola era uma continuidade simbólica da instituição familiar, que promovia de modo gradual e assistido a transição da criança do seio protegido da família para o mundo, complementando a educação recebida em casa, treinando-a no convívio social e reforçando-a com os conhecimentos sitos além da experiência doméstica.

Isto só era possível pela existência de uma sintonia fina entre os valores familiares tradicionais e os valores institucionais da educação, que se congregavam na pessoa do professor.

Este cenário vigorava em um Brasil pré-industrial e pré-urbano, no qual uma educação pública artesanal praticamente se restringia à minoritária população das cidades.

Para os ideólogos de esquerda, o professor tradicional representava o extremo oposto do que vislumbravam a frente das salas de aula.
O educador comprometido com o aprendizado individual de seus alunos, com a preservação e transmissão do saber e com os valores familiares e cívicos passava a ser visto como um elemento obsoleto e reacionário a serviço dos interesses da classe dominante, que alienava o proletariado, intoxicando-o de cultura burguesa.

Este modelo de professor deveria ser substituído por elementos politicamente engajados ou, no mínimo, conscientes, dentro do significado político-ideológico dado a estes termos, que assumiriam a missão de transformar as escolas e, a partir delas, transformar a sociedade.
A formação deste novo professor não seria problema, uma vez que a maioria das escolas de filosofia, letras e ciências sociais das universidades, que ditava o perfil do professorado, era alinhada com a ideologia esquerdista.

Assim, o desmonte ideológico do sistema de ensino foi acompanhado em paralelo da desconstrução (para usar uma palavrinha da moda) da instituição do professor.
Para esta desconstrução contribuíram principalmente dois grupos de fatores, um externo e outro interno àquela categoria profissional.

O externo proveio dos militares governantes, que consideravam que o professorado tradicionalista seria incapaz de apresentar a produtividade requerida pelos planos desenvolvimentistas que exigiam instrução básica em massa.

O interno, mais danoso, gerado no próprio seio do professorado, um núcleo militante encarregado de minar o orgulho, auto-estima e senso de missão dos educadores, fazendo com que se vissem apenas como trabalhadores explorados e mal pagos, em nada diferentes das massas operárias que ensinavam e com as quais deviam se alinhar na luta comum contra a classe dominante opressora.

Atacada de fora por uma política desenvolvimentista que estupidamente priorizava a quantidade em detrimento da qualidade e de dentro pela militância infiltrada, a imagem pública do professor decaiu do receptáculo de saber, respeitabilidade e valores para a de categoria reivindicante, apenas mais um coletivo de trabalhadores sem diferencial distintivo de qualquer outro.

A esta perda das distinções seguiu-se o esvaziamento das vocações, com as vagas de professores preenchidas em grande parte não mais por idealistas que sempre almejaram tal oficio, mas por pessoas de formação diversa que tinham o magistério como segunda ou terceira opção profissional, ao qual recorriam na falta de alternativa melhor.

Esta decadência atingiu o fundo do poço quando se tornou recorrente entre os próprios professores culpar os baixos salários por todos os problemas do ensino, como se esta deficiência, por si só, explicasse a ignorância generalizada, o desinteresse visível e os resultados desastrosos que a cada ano pioravam dentro da educação pública.

Invertendo a tradição de que sobre o homem educado recaem mais deveres e responsabilidades, os professores, os homens que educavam, apelavam a subterfúgios jamais usados pelos mais simples artesãos. Neste país os pedreiros em geral nunca receberam altos salários por seus serviços, mas não dá nem para imaginar por causa disto pedreiros construindo sistematicamente prédios que desabam e pondo a culpa na baixa remuneração.

O professor ideologicamente descontruído perdeu esta lógica simples.

A esperança de futuro reside nos resistentes, aqueles que contra toda a oposição preservaram o antigo compromisso com o saber, o estudante e os valores cívicos.

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