quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Provando um argumento abortista como estúpido e sem-vergonha – parte 3.

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 30 Mar 2007, 14:27


Passando à segunda afirmação:

É muito mais óbvio atribuir o termo "abortistas" ao defensores da proibição da I.V.G. visto que esta proibição na maioria dos casos acarreta um número elevado de abortos, tanto pela facilidade de recurso a um aborto clandestino em qualquer esquina, como pelo grau de responsabilidade ser menor, visto poder estar fora dos olhos da sociedade. Recorrendo ao aborto clandestino uma mulher pode desprezar qualquer responsabilidade pois não enfrenta qualquer tipo de reflexão, simplesmente paga e faz. Estes acontecimentos fazem com que várias mulheres abortem clandestinamente várias vezes, pois não possuem qualquer tipo de pressão social em foco da responsabilidade Humana. É só pagar e fazer.

Porque o argumento é estúpido:

Além das já demonstradas ilógicas correlações entre conseqüências do ato e ineficácia do ato e entre apoiar uma causa e apoiar seus efeitos colaterais, o argumento se sustenta sobre outros absurdos:

1. O acesso ao aborto clandestino é menos problemático do que ao aborto legal;
2. O aborto clandestino implica em responsabilidade menor;
3. O aborto clandestino é feito longe dos olhos da sociedade;
4. A mulher que opta pelo aborto clandestino não enfrenta qualquer tipo de reflexão;
5. O aborto clandestino é uma questão simples de pagar e fazer;
6. A mulheres abortam várias vezes pela soma destes motivos;
7. O aborto clandestino não traz pressão social.

Apontar tantos absurdos em tão poucas linhas pode parecer, a priori, uma estratégia para desqualificar retoricamente o argumento analisado, mas é uma necessidade, dentro da proposta didática de se apresentar aqui o quanto o discurso ideológico pode renunciar à lógica mais elementar e ainda assim se fazer crido e repetido como um mantra.

Antes de analisar cada absurdo destacado um a um, peço atenção a um detalhe que denuncia o absurdo do conjunto, pois se o aborto clandestino é tão mais acessível, sem responsabilidades, reflexões ou cobranças que o aborto legalizado, que garantia se tem de que as mulheres não continuarão recorrendo a ele após a legalização, justamente para fugir às alegadas dificuldades que a legalização criaria a um ato antes proibido?

Não é mais lógico supor que, se tão simples e fácil fosse, a legalização não eliminaria o aborto clandestino, mas antes se somaria a ele, permitindo à mulher optar sobre qual alternativa melhor lhe convém?

É o mesmo erro lógico dos que alegam que a legalização do comércio de drogas, por si só, eliminará o traficante, desconsiderando que muitos consumidores ainda preferirão recorrer ao comércio ilegal por variados motivos, a começar do anonimato garantido pelo fornecimento criminoso.

Mas voltando à análise individual dos absurdos;

1. O acesso ao aborto clandestino é menos problemático do que ao aborto legal;

O absurdo é óbvio, pelo próprio significado da palavra proibição que implica necessariamente em ações coercitivas que impeçam ou dificultem a execução do ato proibido.
Se o ato proibido é executado com menos empecilhos que o ato legal, então a proibição não existe, sendo apenas formal.

Por mais ineficaz que seja a proibição do aborto, está muito longe de ser apenas formal, dado que tanto seus executantes e promotores quanto suas pacientes estão sujeitos à repressão policial, processo criminal e cadeia.

O risco de cadeia, por menor que seja considerada a ineficácia da repressão, por si só é fator persuasivo suficiente para tornar o aborto ilegal mais arriscado que o legalizado.
Este fator é decisivamente persuasivo para médicos, que sabem muito bem que ser flagrado e indiciado como aborteiro ilegal representa o fim de sua carreira, a cassação de seu registro e o ostracismo social, mesmo que o final do processo não implique em prisão.
Para a maioria dos médicos e profissionais especializados da saúde isto é fator persuasivo suficiente, dado que a relação custo-benefício insatisfatório inibe a prática aborteira mesmo entre aqueles da comunidade que não tem restrições morais a respeito.

A indisponibilidade de médicos, profissionais especializados e equipamentos minimamente adequados praticamente impede o aborto nos meses avançados de gestação, restringindo sua execução a condições que implicam em altíssimo e óbvio risco para a gestante que se submeta a elas, o que também impõe uma dificuldade óbvia, que funciona também como fator persuasivo com base no custo-benefício.

Além disto, o risco de cadeia e do ostracismo social restringe os profissionais especializados dispostos à prática aborteira ilegal àqueles que, além da ausência de restrições morais, entendem que devem cobrar preços que compensem estes riscos, dificultando o acesso por uma questão auto-explicativa de mercado, principalmente em países ou regiões pobres.

Do mesmo modo, o recurso a aborteiros não qualificados e potencialmente baratos repete os riscos médicos destacados acima.

Assim, o aborto clandestino implica em riscos reais de cadeia, ruína profissional, financeira e social dos profissionais especializados que se dedicam a ela, alto custo por conta do risco e alto risco por conta do baixo custo.
Somados estes fatores, tem-se que é absurdo concluir que o aborto clandestino, alegadamente disponível sem dificuldades "em qualquer esquina", seja uma opção menos problemática que o aborto legal, que ofereceria inclusive segundo as propostas existentes, o atrativo da gratuidade.

2. O aborto clandestino implica em responsabilidade menor;

Como a execução do aborto clandestino pode implicar em responsabilidade menor que a do aborto legalizado, se sobre quem o faz recai a responsabilidade penal do ato?

O absurdo vem da afirmação "proibição ... acarreta ... grau de responsabilidade ... menor, visto poder estar fora dos olhos da sociedade"

Ora, não há correlação entre responsabilidade e estar dentro ou fora dos olhos da sociedade.
As responsabilidades de um cidadão não desaparecem quando ninguém está olhando para ele.
O erro está em uma óbvia confusão entre responsabilidade e imputabilidade.
A sociedade talvez não possa punir todos os casos de aborto clandestino, o que não implica que haja responsabilidade menor dos envolvidos, antes pelo contrário, pelos motivos citados.

3. O aborto clandestino é feito longe dos olhos da sociedade;

Uma pergunta simples, que expõe o absurdo desta afirmação é se o aborto clandestino é feito longe dos olhos da sociedade, como os defensores da legalização do aborto o utilizam como argumento em defesa de sua causa?

Os defensores da legalização do aborto fazem uso intensivo e extensivo de dados relativos aos abortos clandestinos, enquanto o argumento diz que ele é feito longe dos olhos da sociedade.
Se assim é, ou todos os dados apresentados pelos defensores do aborto não são confiáveis e apresentá-los como se fossem constitui um ato desonesto ou os dados são confiáveis e o aborto clandestino não é feito longe dos olhos da sociedade.

Outro ponto que destaca o absurdo da afirmação é que ela não define o que são "os olhos da sociedade", uma metáfora que pode significar o Estado, mas não deixa isto claro.
Assim, o aborto legalizado estaria próximo dos "olhos da sociedade" por ser feito sob o controle e tutela do Estado, enquanto o clandestino se faz às escondidas dele.
O absurdo se concentra no fato que Estado e sociedade são coisas distintas, que se tornam uma coisa só apenas quando interpretadas ambas sob o viés ideológico que prega que o que não é supervisionado pelo Estado, não é supervisionado por ninguém.

Uma gravidez não é coisa fácil de esconder, mesmo quando se quer isto.
Na maioria dos casos de gravidez indesejada que pode motivar uma opção pelo aborto ocorre o envolvimento das famílias, parceiros e amigos da gestante, sendo que estas pessoas não só fazem parte da sociedade, como é a parte da sociedade pessoalmente interessada nos eventos em andamento, ao contrário do Estado, que é uma abstração burocrática, fria, distante e impessoal, para quem a grávida será apenas um ponto em uma estatística sobre a qual os burocratas estatais se debruçarão e tirarão as conclusões que quiserem.

Achar que este controle distante, impessoal e estatístico represente os olhos da sociedade junto à gestante mais do que a proximidade de pais, companheiros, amigos, vizinhos, empregadores, colegas de trabalho etc, aquela gente que vê a barriga crescer e saberá o que houve se ela de repente sumir, é outro absurdo.

4. A mulher que opta pelo aborto clandestino não enfrenta qualquer tipo de reflexão;

O absurdo deste quarto item é tão auto-evidente que sua exposição só é feita para garantir a completeza desta análise.

Reflexão, pelo próprio sentido da palavra, implica em um ato íntimo, o direcionamento dos pensamentos individuais de si para si, visando chegar a uma conclusão que se crê melhor atingida deste modo.

Afirmar que a mulher que opta pelo aborto clandestino não enfrenta qualquer tipo de reflexão implica em concluir que reflexões individuais, pensamentos de si para si, são determinados pelo status legal de uma questão, sendo que as mulheres que optam pela alternativa ilegal se tornam automaticamente incapazes de exercer a faculdade da reflexão.

O absurdo da afirmação se reforça quando se considera a possibilidade bastante plausível de a gestante que opta pelo aborto clandestino estar violando seus próprios princípios religiosos ou morais, vivendo, portanto um conflito de consciência que não pode dividir com ninguém.
Dizer que pessoas nesta situação não enfrentam reflexão apenas porque não comparecem diante de um psicólogo ou comitê formado por alguma organização estatal demonstra, mais uma vez, uma percepção ideológica do papel do Estado que nega ao indivíduo apartado dele as capacidades mais elementares, como refletir.

5. O aborto clandestino é uma questão simples de pagar e fazer;

O aborto clandestino não é uma questão simples de pagar e fazer, pelos fatos já relacionados e mais.
Primeiro, a gestante terá que localizar onde obter os serviços de um executante de abortos, o que implica em fazer perguntas e se expor aos riscos de ser questionada sobre suas intenções ilegais.
Foi dito que estes serviços estão disponíveis em qualquer esquina, mas cabe a quem fez a afirmação prová-la. De minha experiência pessoal, vivendo em um país onde o aborto é proibido, nunca encontrei evidência de que a cada esquina houvesse quem o executasse.

Mesmo que a questão fosse pagar e fazer, isto não a torna simples. Abortos feitos com segurança e conforto são muito caros, inacessíveis para as classes baixas de países pobres. Abortos baratos implicam em risco de vida para a gestante.
A questão então não é um simples pagar e fazer, mas pagar mais caro do que seus recursos permitem ou arriscar a vida para obter custos menores.

6. A mulheres abortam várias vezes pela soma destes motivos;

Outra afirmação que contém um erro de causalidade óbvio.

Dizer que as mulheres abortam várias vezes pelos motivos que apontariam a facilidade do aborto clandestino, refutada caso a caso nesta análise, é o mesmo que dizer que as pessoas optam por um problema por conta da disponibilidade de recursos para corrigir o problema.
Algo como afirmar que as pessoas batem o carro porque é fácil encontrar os serviços de oficina que o repare.

Desnecessário mais que isto para destacar o absurdo da afirmação.

7. O aborto clandestino não traz pressão social.

Uma prova de que o aborto clandestino traz pressão social é o fato de os defensores da legalização do aborto o utilizar como motivo para suas reivindicações, o que é uma forma de pressão social.

No mais, de novo a confusão entre pressão estatal ou sua afiliada ideológica, a pressão militante organizada, com pressão social.
A verdadeira pressão social contra o aborto clandestino, além do óbvio âmbito policial e jurídico, se dá na sociedade próxima da gestante, sua família, companheiro e pessoas próximas envolvidas.
Dizer que isto não significa pressão social é negar a estas pessoas o status de membros e representantes da sociedade, mais ainda, de membros e representantes da sociedade mais interessadas no problema e transferir esta representatividade para organizações anônimas.

Absurdo pois.

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